OPINIÃO
Desmoronando: Entre a crise de identidade e a negligência dos valores
Caio Júlio César, narra Plutarco em suas Vidas Paralelas, teve como segunda esposa Pompeia Sula. Contudo, um nobre jovem chamado Públio Clódio era profundamente apaixonado por ela, embora nunca lhe fosse permitido ter com elas encontros íntimos. Ocorreu que estava acontecendo uma festividade em honra à divindade de nome Bona Dea, na qual os ritos noturnos eram organizados pela esposa do cônsul ou pretor, sendo exclusivos para mulheres.
Movido pela impertinência da juventude, Clódio decide invadir a festa, disfarçando-se como mulher. No entanto, para seu infortúnio, é descoberto por sua voz masculina por uma ajudante, que o denuncia às demais mulheres. Estas o expulsam da festa e, posteriormente, relatam o ocorrido a seus esposos. Diante desse incidente, inicia-se uma intriga, e Clódio é denunciado por sacrilégio. Ao depor como testemunha, César, além de criticar o ato, repudia sua própria esposa devido à grande vergonha, surpreendendo até mesmo o promotor do caso.
Plutarco relata esse episódio da seguinte maneira: ”[…] o acusador perguntou: ”Como é que então repudiaste a tua mulher?”; ”Porque”– respondeu ele – ”julgo preferível que da minha mulher nem suspeita exista”.
Esse evento chegou até nós como um ditado popular na forma:
“À mulher de César não basta ser honesta, deve parecê-lo”.
Acontece que, para a desventura de Moro, seu abraço fraterno no indicado de Lula na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que foi amplamente criticado nas redes sociais, mas que, segundo ele, não representava seu voto, na verdade, mostrou-se o exato oposto. Em uma conversa no WhatsApp, vazada pelo jornal O Estadão, um amigo de Moro chamado Mestrão o aconselha a não afirmar que votaria em Flávio Dino, apenas para evitar mais controvérsias.
Então, Moro votou em Dino, tornando-se claro para nós. O que anteriormente parecia ser uma contradição entre discurso e imagem agora evidencia que, ao dizer algo e ser observado agindo de maneira oposta, um dos dois é falso. No caso de Moro, ou seu abraço era falso, como o enrolar de uma víbora antes de inocular o veneno, ou suas palavras não condiziam com seu voto. Nessa celeuma, a última opção mostrou-se verdadeira.
Moro não apenas cometeu a indecência pornográfica de trair seus eleitores e aliados, mas também revelou a falta de integridade que somente os fracos de caráter e os covardes de última hora tem, ao não votar contra e ao não atacar com veemência aqueles que ele criticava quando não estavam no poder e ele era um juiz federal, pelo simples fato de temer perder seu cargo em julgamento no TSE.
Mas assim como Pompeia, que perdeu tudo, Moro tem tudo a perder. O senador desejava de todas as formas não ter sobre si os holofotes da mídia em uma das mais importantes votações da democracia brasileira. Desejava não sair das graças do eleitor “isentão” médio, o que foi exatamente o oposto do que ocorreu. Restou a Moro a antipatia de seu próprio eleitor.
Agora resta a ele ser vítima da tirania dos valores, que o marcará como uma mácula, assim como os antigos povos marcavam aqueles contrários à moral da cidade. Um dia parece. Traído por sua soberba, ele perde por suas ações.
Ganhará da ala petista a eterna desconfiança de trair o que ousou defender e a crença de que, sendo um covarde, é também bastante maleável, o que favorecerá aos interesses de Lula. Os bolsonaristas sempre o verão como um traidor e indigno de qualquer que seja sua opinião ou assunto.
Moro não aprendeu com Carl Schmitt que, por mais que tivesse diferenças com os bolsonaristas, o inimigo do seu inimigo é, em outros termos, seu aliado. Aliando-se aos senadores contrários a Dino, seu voto pesaria em sua escolha para o STF, podendo demovê-lo da possibilidade de assumir o cargo na mais alta corte do país; ganharia um favor que deveria cobrar mais dia menos dia.
Moro não aprendeu que não pode ser apenas o juiz honesto; deve parecer honesto quando senador.