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NÃO CONFIO EM NINGUÉM, LOGO O MATO

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Um dos conceitos mais importantes para o funcionamento das democracias liberais minimamente saudáveis é a mútua confiança entre os membros da sociedade. É essa confiança que nos une em comunidade e sua ausência significa uma sinalização para uma degeneração social. No Brasil isso a muito se perdeu, vivemos o que chamasse de ‘sociedade da baixa confiança’, o que afeta do sistema de leis ancorados na insegurança jurídica até o não pagamento de dividas. O que é bem ilustrado com os inúmeros inadimplentes do Serasa, muitos deles que pouca importância estão dando em pagarem o que devem.

As raízes são bem simples. De acordo com o cientista social e político Robert D. Putnam no seu ensaio, ”Bowling Alone: America’s Declining Social Capital” (1995, 1), descreve que capital social é em si uma rede de regras e normas de funcionamento que conectam cada individuo ao todo social baseado na confiança interpessoal. O fato é que este ethos – costumes – de organização de uma comunidade está diretamente ligado ao capital econômico e humano, por exemplo, a confiança de que não será processado por seu funcionário falsamente e nem ludibriado pelo seu patrão na hora de receber o salário no quinto dia útil, ou entre familiares em uma divisão de herança de um testamento, ou em níveis mais profundos entre investidores multinacionais na economia de um país. O Brasil é como bem percebemos pela descrição, uma sociedade onde não existe nada disso. Nosso lema é ‘’não confio nem na roupa que visto’’ e o nosso jeitinho brasileiro é a cereja do bolo. Segundo dados de 2018 fornecidos pelo instituto Latinobarómetro Organization, que analisa o funcionamento das democracias latino-americanas a partir de seus comportamentos, aproximadamente 4% dos brasileiros tem confiança entre seus pares. E essa baixa confiança afeta todas as esferas da vida social, em especial a existência dos regimes políticos e sua prosperidade. O que é grave, pois as democracias necessitam de estabilidade de suas instituições e crença nos seus mercados financeiros. É assim que as democracias morrem por aqui.

Levanto indagação caro leitor, você confia de fato em quem te emprega ou no seu vizinho do apartamento da frente? Pelo menos para 96% da população tupiniquim afirma categoricamente que não. E os recentes casos de assassinatos brutais ilustram que atitudes assim quando levados a cabo em suas formas mais extremas minam a convivência humana, ou para ser mais exato a existência humana.

Exemplos não nos faltariam, mas pinço apenas dois bem atuais.

O primeiro é o caso do congolês radicado no Brasil, Moïse Kabagambe. Moïse foi assassinado brutal e covardemente ao ser espancado por três homens em um quiosque na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, no último dia 24 de Janeiro. Segundo consta nas investigações a violência foi motivada pelo fato da vítima ter ido cobrar uma dívida no valor de R$ 200,00 por trabalho prestado. Não gostando da cobrança o dono do ponto de vendas mandou três funcionários ”escorraçarem” Moïse. Fica claro, ou deveria ficar, que em uma sociedade minimamente saudável e baseada na mutua confiança, se pagaria suas dívidas e acima de tudo não se mataria alguém por cobrar o que lhe é devido. Moïse é exemplo notório e fatal da baixa da confiança financeira.

Outro caso não menos assustador e bárbaro aconteceu na noite de quarta-feira, 02 de Janeiro, em São Gonçalo na região metropolitano do estado do Rio. Neste caso a vítima foi Durval Teófilo, um repositor de supermercado de 30 anos. Imagens de câmeras mostram o momento em que Durval chegava à sua casa e foi baleado por seu vizinho a queima-roupa. Em depoimento o assassino, Aurélio Alves, afirmou que achou que Durval era algum assaltante ao ver este chegar próximo de seu carro. Durval foi vitima da baixa confiança pessoal, onde acreditasse que a qualquer momento poderá virá vitima de um ato violento. Cada tiro em Durval representa nossos medos do outro, daquilo que não é nós.

Ambos os casos apesar de não se reduzirem apenas a estes fatores, provam que a vida em sociedade dentro de casa até o funcionamento dos três poderes é de desconfiança total e eterna vigilância. Vivemos sobre a égide do interesse pessoal e da violência mimética. Essa é a lógica de uma sociedade doente nas vias de sua grande degeneração. O longo estrondo que vem com um gemido após o tiro que arde no peito e o sangue que amarga à boca após o soco que atordoa.

Mas toda essa gama de comportamentos pode ser mudada, pois viver em sociedade é acima de tudo se encaixar em padrões de comportamento. Simples cumprimentos de contrato, um sistema legal justo e de aplicação do seu ordenamento de forma clara e objetiva e acima de tudo a atitude de não apenas cobrar comportamento honesto, mas agir como tal, o que vale do voto até a devolução do troco recebido errado. Mas enquanto isso não ocorrer viveremos como os símios na sua forma mais simplória e arcaica, viveremos sobre o arcabouço primitivo do mal selvagem. E todos os dias assistiremos a guerra dos Chimpanzés de Gombe feitas por humanos que se julgam no padrão evolutivo das espécies, racional. Com uma única diferença, até Chimpanzés confiam em membros de seus bandos, nós não.

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